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Aquela Noite de São João

 

Raymundo Farias de Oliveira

 

Armou a gigantesca pilha de lenha com achas cruzadas e superpostas para a grande fogueira. Cavou o chão no terreiro, fez um buraco fundo, fincou o mastro com a figura de São João estampada no retângulo de pano pregado na extremidade. Com a botina de elástico pisou e repisou a terra fofa ao redor, para deixar o mastro bem firme. Socou até onde deu. Afastou-se uns dez metros, olhou, olhou, comparou, andou pra lá e pra cá, e viu que estava no prumo. Que beleza, o rancho protegido por São João! Para pagar a promessa, compara com antecedência os rojões. Esperava ser aquela noite a última noite de São João que passaria na boa Vista. Comprou gengibre, cachaça, quentão não ia faltar; pipoca havia em abundância.

À tardinha, Maria do Socorro percorrera as leiras de batatas, de onde arrancara as mais graúdas, escolhera também três pés de mandioca mais antigos, próximo ao batedor de roupa. Ficou surpresa com tamanho e grossura das raízes. Coisa de ver!... E pensar que quando ali chegaram havia só mato, mutucas, cobras e outros bichos; e, agora, aquele encanto de mandiocal, pés de quiabos, bananeiras, coentro e cebolinhas, os pés de onze-horas florindo, pontualmente, à beira do rego d’água servida... Começava a sentir umas palpitações no peito quando lhe passava pela cabeça a idéia de ir embora, deixando tudo aquilo: acostumara-se ao cenário íntimo, onde as crianças brincavam na mais doce promiscuidade com as galinhas, perus e a cachorrinha Baleia.

Quando o sol se escondeu por trás da mata João de Deus acendeu a fogueira e soltou o primeiro rojão; depois, outro e outro. As crianças, assustadas, olhavam os foguetes chiando, subindo e explodindo no espaço num facho de estrelinhas. Baleia escondera-se debaixo do fogão e suportava, estoicamente, seu pesadelo num silêncio mortal. A noite descia. Nenhum fiapo de nuvem no céu. Os convidados chegando com saudações discretas, mas espontâneas. Eram poucos, todos compadres e comadres, trazendo os filhos de roupinhas novas.

Compadre Dedé, sente aqui no banco, cabe mais um. – Socorro, traga o banquinho para comadre Arminda... – Compadre Chico, aí não está muito apertado com Juvenal!

João de Deus derramava-se em atenções e preocupações em ver todos bem acomodados. Socorro começou a servir o quentão e, depois, veio a fartura: tapiocas, torresmo, mandioca, batata-doce. Conversa alegre e risadas soltas no terreiro festivo iluminado pelas labaredas inquietas da fogueira. De vez em quando, mais um rojão subia para o céu, em louvor do santo junino. Era um escarcéu de luz enfeitando a noite fria.

-           E então, compadre João, vai mesmo embora daqui? – Vou, compadre Chico. – Quero mudar de vida. Aguardo a colheita, acerto a conta e vou tomar outro rumo; chega de tomar café. – Que Deus lhe ajude!

O frio começava a castigar. Não demorou muito, foram todos embora. A fogueira crepitava no terreiro deserto e as estrelas cintilavam no céu límpido da boa Vista. No dia seguinte a paisagem amanhecera transfigurada pela congelação do orvalho. Até no areião da estrada havia farinha de gelo desfazendo-se sob os primeiros raios de sol.

João de Deus atravessou a pequena mata pelo caminho que dava no cafezal e defrontou-se com o espetáculo desolador: O cafezal tão verde e tão bonito – coberto de geada. De volta para o rancho sem saber como dar a notícia a Socorro, teve uma crise de choro, vencida a custa de soluços. Dias depois, as folhas calcinadas caíam, vagarosas, sopradas por um vento triste, o vento silencioso dos campos santos.

Raymundo Farias de Oliveira é escritor e procurador do Estado aposentado.