Zé Batalha

Página Inicial

Minerador de Idéias

Editorial

Literatura no Interior

Haicais

Bienal do Livro

Editora Mantiqueira

Casa da Xilogravura

Notícias

Livrarias Especiais

Livros

 

Uma Visita Inesperada

 

Rodolfo Konder

 

     Em Bruxelas, encontrei meu irmão, Leandro, que dava aulas na Universidade de Bonn. Ele estava exilado na Alemanha e veio até a capital belga para me ver. Abraçados e emocionados, fomos da Grand Place até um pub e nos encharcamos de álcool. Bebemos uma cerveja preta, preparada por monges belgas desde tempos bem distantes, já cobertos pela névoa. Percorremos, inebriados, os caminhos comuns da infância e da adolescência, e os descaminhos igualmente compartidos da militância política. Rimos de tudo, inclusive das desgraças. “O que nos salva”, ele concluiu, “é o senso de humor”.

     Depois, estive em Paris, como parte da mesma viagem estranha e inesperada. Hospedado no Sheraton, andei pelas margens do Sena, desci a Champs-Elysees, almocei no Faugeron, jantei no Le Pré Catalan, fiz compras na rue de Rivoli. Passei de barco sob algumas pontes: Alma, Invalides, Concorde, Pont Neuf.

     Cruzei o Atlântico num avião que fez escala em Nova York, antes de chegar a Las Vegas, do outro lado do deserto. Durante três dias, ocupei um apartamento fantástico do Flamingo Hilton, com dois quartos e um salão, banheiro imperial e cozinha, quatro aparelhos de televisão e um computador. Tomava sol à beira das piscinas, fazia compras e jogava. Como era inevitável, perdi algum dinheiro – não muito, uns US$ 100, no máximo. Bronzeado e feliz, retornei ao Brasil, ao final daquela viagem singular, feita a convite da ITT.

     Quando Roberto Muylaert, então diretor da revista Visão, falou comigo sobre o convite, reagi com uma cautela “politicamente correta”. “Fui convidado pela ITT”, ele disse, “a visitar suas instalações em Bruxelas, Paris e Las Vegas, numa viagem de uns dez dias. Não posso aceitar, porque tenho outros compromissos. Você pode ir no meu lugar, representando a revista?” “Posso?.”

     Trabalhávamos na revista Visão com muita seriedade e espírito profissional. Carlinhos Brickman, Ricardo Setti, Quartim de Moraes, João Ricardo Penteado e outros jornalistas integravam a equipe comandada por Roberto Muylaert. Eu era o mais antigo, porque já estava na revista bem antes de Said Farhat vendê-la a Henry Macksoud.

     Cheguei de Las Vegas numa quinta-feira. São Paulo parecia alheia ao meu bronzeado. O aeroporto de Guarulhos estava cheio de gente apressada. Fui para casa – nesta época, outubro de 1975, eu morava num apartamento na Alameda Tietê, nos Jardins. Havia um convite à minha espera: um jantar no Consulado da Inglaterra. Não fui. Se tivesse ido, ficaria sabendo pelo Vladimir Herzog, o Vlado, que todos nós, inclusive eu, estávamos numa lista de pessoas a serem presas. Vladimir e MarcoAntonio Rocha falaram sobre isso no jantar. “O que fazer?” perguntou Vladimir. “Vamos falar amanhã com o Konder”, respondeu Marco Antonio. Na manhã do dia seguinte, porém, não puderam falar comigo, porque, das sombras do destino e da ditadura militar, outra surpresa me espreitava.

     Dormi pesadamente, naquela noite, mas das profundezas do sono, pude ouvir a campainha da porta. Cambaleante, cheguei até lá. “Quem é?” “É a Polícia Federal. Abra, por favor”. Abri. “Sr. Rodolfo Konder?” “Eu mesmo”. “O senhor está preso. Queira nos acompanhar”. Dois agentes federais frios e robustos permitiram que me vestisse, desceram comigo de elevador, atravessaram o “hall” de entrada – diante do olhar perplexo do porteiro – e me empurraram para dentro de uma Van. Então, um deles enfiou um capuz preto na minha cabeça. “São ordens”, sussurrou. Logo depois, levaram-me para um mergulho absurdo na voragem do DOI-CODI, na rua Tutóia.

Rodolfo Konder é escritor, jornalista e conselheiro da União Brasileira de Escritores.