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O Segundo Regresso

 

Rodolfo konder

 

No extremo norte do Central Park, as águas do Reservoir – o reservatório da cidade – começavam a esfriar, com a chegada do outono. Muitos patos nadavam por ali, em pequenos grupos. As gaivotas caçavam o almoço. Pessoas pescavam sem sucesso. Esquilos corriam e paravam, imóveis, entre as moitas e nos imensos gramados. Todas as manhãs, eu e o brazilianist Patrick Hughes freqüentávamos a pista de jogging, em torno do reservatório. Três voltas, sem pausa – quase dez quilômetros de corrida.

O vento acariciava os vidros do Metropolitan Museum, percorria a 5ª Avenida, levantava nuvens de folhas mortas na praça em frente ao Plaza. Às vezes, uma chuva gelada caía sobre a ilha de Manhattan, das Twin Towers ao Harlem, cobrindo o centro, Little Italy, Soho, Village, os teatros da Broadway, os néons de Times Square. O frio chegava depressa, especialmente nos descampados ou junto aos prédios intermináveis da Avenida das Américas.

Morei quase um ano em Nova York, essa cidade mágica, feita de luzes e promessas. Meu contrato com a Rádio Canadá Internacional havia terminado. Eu já não era um announcer-producer da Seção Brasileira, no edifício da CBC, Dorchester Boulevard, em Montreal. Mudei-me para Nova York, onde me instalei num apartamento na Rua 61, entre Lexington e Park – o apartamento do meu cunhado, Antonio Carlos Braga, e da minha irmã Luiza Braga.  Consegui o visto de permanência nos Estados Unidos como correspondente do jornal Versus, graças a uma carta do amigo e jornalista Marcos Faerman.

Durante meses, escrevi eventuais matérias para a revista Visão, de São Paulo, e para o jornal O Diário, de Lisboa. Fiz umas poucas conferências, participei de debates e seminários, geralmente convocado pelos amigos Ralph Della Cava e Joan Dassin. Nas intermináveis horas de folga, corria no Central Park, andava pela cidade, ia às sessões duplas no Carnegie Hall Cinema (ao preço de 1 dólar e meio), visitava as livrarias, as lojas de departamento e o zoológico do Bronx. Usava muito o metrô e via televisão até tarde da noite.

Descobri então por que devemos amar Nova York, a grande capital mundial da diversidade e da modernidade, o presépio de todas as religiões, o templo de judeus e muçulmanos, católicos e protestantes, budistas e espíritas. Todos os caminhos levam as pessoas até lá. A cidade abriga santos e pecadores, ateus e agnósticos, crentes e descrentes. É parada obrigatória para quem pensa, observa, busca, compra, ri e respira.

Nas ruas, esbarrei às vezes com mitos como Woody Allen, Glenn Close, Jack Lemon, Candice Bergen, Norman Mailer, B. B. King e Tony Bennett – para citar uns poucos. São personagens que povoam aquele cenário de esperanças e desilusões, loucuras e deslumbramentos. Acima das lojas, dos restaurantes, dos teatros, dos museus, dos cinemas, das igrejas, dos edifícios e das sinagogas, Nova York é uma grande paixão, o mais sofisticado castelo do século 20.

Apesar disso, eu me sentia deprimido. Inútil. Resolvi voltar ao Brasil, depois de três anos de exílio. Estava disposto a correr os riscos do regresso. Peguei um avião para São Paulo, via Lima. Cheguei, fui recebido por agentes da Polícia Federal e pelo presidente do Sindicato de Jornalistas de São Paulo, o amigo Audálio Dantas. Não me detiveram, no aeroporto. Fui intimado a prestar depoimento, dias depois, na sede da PF. Isso aconteceu no dia 17 de outubro de 1978.

Rodolfo konder é escritor, jornalista, Diretor Cultural da UniFMU e conselheiro da União Brasileira de Escritores.