Adriano Nogueira 

 

 


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Artigos de Adriano Nogueira (In Registros Literários)

 

 

ESCRITOR ESQUECIDO

 

 

A

lmeida Fischer, Presidente da Academia de Letras do Brasil, paulista de Piracicaba radicado em Brasília, em setembro de 1989, em excelente artigo publicado no “D.O. Leitura de São Paulo”, expendeu sua opinião sobre o escritor Mário Neme, deixando consignado ter sido ele um importante escritor do pós-modernismo brasileiro, não apenas pela obra que deixou publicada mas também por suas realizações em favor da cultura em nosso país, concluindo que se faz necessário resgatar o seu nome ao injusto esquecimento a que está votado.

A assertiva do escritor piracicabano, conterrâneo de Mário Neme, é verdadeira, merece meditação e apoio, daí a razão deste pequeno e despretensioso artigo.

Mário Neme começou sua vida jornalística na Gazeta de Piracicaba, assinando seus trabalhos sob o pseudônimo de Dr. Salim e, na mesma cidade, fundou e escreveu em alguns jornais e revistas de literatura e humorismo, de vida efêmera.

Em 1936 transferiu-se para São Paulo e desse ano até 1940 quase todos os trabalhos que publicou foram sobre sua terra natal. Escreveu a História de Piracicaba, obra em que abordou sua fundação, sua existência no século XVIII e aspectos da sua estrutura social e econômica.

Paralelamente às atividades jornalísticas exercidas em “O Estado de S. Paulo”, escreveu dois livros de contos: Donana Sofredora (1941) e Mulher que Sabe Latim... (1944) comentados pela crítica literária de então que acolheu essas obras com manifestações que estimulariam qualquer escritor a  continuar escrevendo contos.

Sérgio Milliet sobre o livro Mulher que Sabe Latim... disse: “... recomendo com maior simpatia e agrado esse pequeno livro de contos que encerra algumas das páginas mais vivas da literatura moderna paulista”. A respeito de  Donana Sofredora,  além de achá-lo  delicioso, acrescentou: “Mário Neme é um contista nato dos melhores de sua geração”, e Antonio Cândido emendou: “Mário Neme escreve bem, muitíssimo bem”.

Em 1942, com Sérgio Milliet, Luís Martins, Afonso Schmidt e outros nomes notáveis da literatura paulista, fundou a Sociedade Brasileira de Escritores destinada a promover a defesa da classe e da cultura, sendo eleito secretário geral da primeira Diretoria e como secretário da entidade foi um dos organizadores do I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo, em janeiro de 1945. Nesse ano realizou, através de trabalhos publicados nas colunas de “O Estado de S. Paulo”, o inquérito literário ao qual deu a denominação de Plataforma da Nova Geração, em que colheu depoimentos de escritores novos, depois reunidos em livro.

Trabalhou trinta e dois anos em “O Estado de S. Paulo”, foi Diretor do Museu Ipiranga, integrou o grupo literário que fundou a revista “Clima”, na qual publicou artigos e contos. Esse grupo se reunia na Livraria Jaraguá e dele faziam parte Lourival Gomes Machado, Antônio Cândido, Clóvis Graciano,  Alfredo Mesquita, Walter Levy, Rebolo Gonçalves e Décio de Almeida Prado.

Como historiador escreveu Notas de Revisão da História da São Paulo  e  Brasil Holandês no Tempo de Nassau. Em ambos fez revisão histórica.

 

 

O CENTENÁRIO E A OBRA DE THALES DE ANDRADE

                                                     

 

No século passado, no dia 15 de setembro de 1890, nascia em Piracicaba, no antigo Bairro Alto, Thales Castanho de Andrade. Filho de José Miguel de Andrade e Castorina Castanho de Andrade, ele natural de São Pedro e ela de Capivari.

Foi batizado pelo padre Francisco Galvão Paes de Barros, na Igreja Matriz de Santo Antônio, e teve como padrinhos os avós maternos Augusto César de Arruda Castanho e Theodora Martins Bonilha, naturais de Capivari.

Na mesma igreja, em 1912, o padre Francisco Manuel Rosa celebrou seu casamento com Maria Garcia de Toledo.

Fez o curso primário em Piracicaba, tendo sido aluno do Grupo Escolar Moraes Barros. Diplomou-se professor normalista pela antiga Escola Complementar, depois Escola Normal Oficial e hoje Instituto de Educação “Sud Mennucci”, da qual veio a ser professor de História do Brasil, História Geral e outras disciplinas, bem como também seu Diretor, exercendo antes o cargo de mestre-escola assim  no Bairro de Banharão, da zona rural de Jaú, como em Porto Ferreira, e ainda no Curso Primário da Escola Modelo de sua terra natal.

Foi um grande professor de História. Losso Netto, seu ex-aluno na década de 20, dizia que se de alguma coisa pudesse se ufanar, essa seria a felicidade que lhe foi reservada de ter sido aluno de Thales de Andrade e, em artigo que escreveu em 1964, quando seu antigo professor visitou Piracicaba para lançamento do livro Campo e Cidade, disse que o mestre sabia como interessar profundamente seus discípulos na pesquisa dos fatos históricos e acrescentou que não havia psitacismo nas aulas do mestre de Saudade: ninguém precisava papaguear datas ou demonstrar sapiência na cronologia histórica. O essencial seria a resposta aos “porquês” levantados pelo curso dos acontecimentos. O essencial era a interpretação histórica, com todas as suas ilações, refazendo os caminhos percorridos pelas personagens no panorama mundial, levantando os cenários da época, as condições políticas, os fatos econômicos, a vivência dos povos, situados no espaço e no tempo. Em suma, uma visão global dos acontecimentos, entendendo-os à luz dos conhecimentos científicos, a História viva e não a História romanceada, a História exemplo, a História Mestra, e não o repositório ordenado de fatos acontecidos O que Thales ensinava não estava nos compêndios, mesmo porque estes os alunos poderiam ler pelo resto da vida, porém com os olhos perscrutadores, com entendimento aguçado, para rastrear a Verdade, no cipoal imenso das variadas versões históricas.

Esse o Thales mestre, grande e imenso, o Thales que imprimiu no espírito de gerações de ex-alunos a admiração e o respeito que todos lhe devemos.

Laudelina Cotrim de Castro, de saudosa memória, também ex-aluna do autor de Saudade, deixou consignado nas páginas do “Jornal de Piracicaba”, em outubro de 1977, que jamais em suas aulas tiveram, ela e seus colegas, que engolir montoeira de datas, nomes sem sentido, fatos miúdos e corriqueiros, jamais usaram a memória mecânica para reter o que liam ou aprendiam. Jamais tiveram em suas aulas questionários chatos e quilométricos, cansativos, sem o menor significado.

Thales, afirmou ela, foi professor que sabia, e sentia, que a nota positiva do aluno era  sinal de eficiência do professor. O aluno aprendeu, por isso ele tirou nota boa. E se ele aprendeu é porque o professor soube ensinar.

E, em cima dessas considerações, recorda de um fato ocorrido em aula. Mais da metade da classe não teve, numa prova, a nota que Thales esperava que tivesse. A prova foi sobre a Revolução Francesa, sobre as causas econômicas da dita revolução.

Com o pacote de provas nas mãos, Thales entrou em classe. Os alunos sabiam que tinham ido mal, porque as tais causas  eram muito complicadas e fizeram uma baralhada do demônio. Ansiosos esperavam as notas.

Então Thales disse: Não! Esta prova não vai valer. A classe quase toda foi mal e a culpa é minha! Os alunos arregalaram os olhos de espanto e ele repetiu: É... a culpa é minha. A lição não foi bem aprendida. Vamos repetir todo o assunto e tirar as dúvidas.

Olhem, tomem sentido no que vou dizer. Vocês serão professores daqui a pouco e quando acontecer isto, quando mais da metade da classe não responder satisfatoriamente às questões das provas, é porque o que foi ensinado não foi aprendido. O que é bem ensinado deve ser aprendido. Se vocês não aprenderam foi porque eu falhei em alguma coisa. Dizer que ensinou quando ninguém aprendeu é o mesmo que dizer que se vendeu quando ninguém comprou.

... por que tanto espanto? O professor que não tiver a humildade de reconhecer o seu erro pode enfiar o diploma no baú e ir cantar em outra freguesia, mas cantar outra modinha, jamais se meter a professor! Não se esqueçam disto e vamos voltar às causas verdadeiras da Revolução Francesa.

Thales afirmava que datas miúdas só servem para empanturrar a cabeça. É melhor guardar a época, o século, o momento histórico. Memorizar fatinhos sem importância, isso é só para almanaque de farmácia. Na História, o que importa é o fato marcante, significativo para a vida da humanidade.

Laudelina registra, ainda, que o Professor Thales, mais do que o seu conhecimento profundo da matéria,  legou aos seus alunos a lembrança do professor amigo, para quem o aluno era gente a considerar, gente que merecia o seu bom-dia alegre, que merecia seu sorriso nos corredores, na rua, gente que merecia sempre uma palavra de calor e de incentivo. E, disso, um aluno jamais se esquece.

Antonio Osvaldo Ferraz, também em artigo publicado no “Jornal de Piracicaba”, em 1º agosto de 1967, afirmou que em 1922, quando cursava o último ano da Escola Normal, foi aluno de Thales de Andrade e se lembrava que suas aulas eram magníficas. Muito interessante e agradáveis. Toda a classe debatia e discutia os temas, sempre inteligentemente apresentados pelo professor. Nessa ocasião ele e seus colegas acabaram escrevendo um livro de contos sobre História Pátria. Tudo orientado por Thales de Andrade que era um professor moço e moderno. Esse livro, intitulado Histórias e História foi composto e impresso nas oficinas dos Irmãos Perches e Cia.

A Academia Piracicabana de Letras possui um exemplar dessa obra, doada por Severino dos Santos, em 1987. Dela fazem parte os contos: A Sedução do Tietê, de Mercedes Dias de Aguiar;  Chicotadas, de Jaçanã Altair Pereira;  Pindorama, de Antonio Osvaldo Ferraz e Bento Lordello; Evocação, de Virgínia Del Nero; Deslumbramento, de Marcelino Ritter, e Ibirapitanga, de Orlandina Pereira Sodero.

Na apresentação desses contos Thales escreveu: “Não escondo a satisfação que senti ao ver o interesse despertado entre os alunos pelo exame acurado da história da pátria. Quais jovens garimpeiros, liam e reliam os compêndios, de vários autores, fariscando o diamante de um tema, rebuscando notas, confrontando fatos, a fim de harmonizar em seus trabalhos a ficção literária e a realidade documentada”.

A iniciativa foi um sucesso, merecendo palavras entusiásticas de João Ribeiro, Paulo Setúbal, Rocha Pombo e Oswald de Andrade, que disse ser aquilo uma “revolução nos métodos do ensino”.

Esse é um perfil singelo do Thales professor, não apenas na opinião de três dos seus mais ilustres discípulos. É também a de todos os seus ex-alunos, quase todos professores normalistas hoje falecidos ou aposentados,  que honraram o exercício do magistério, a Escola Normal que cursaram e a terra em que nasceram.

Sua carreira no magistério foi brilhante. Lecionou também na Escola de Comércio “Cristóvão Colombo” e no Colégio Piracicabano. Foi Inspetor Técnico do Ensino Rural. Exerceu o cargo de diretor Geral do Departamento de Educação,  cargo em que, por lei, foi efetivado. Em 1948, quando Governador do Estado Adhemar Pereira de Barros, outro piracicabano, chegou a desempenhar o cargo de Secretário da Educação.

Elaborou um método de alfabetização, adotado pelo governo mexicano com sucesso, permitindo que em pouco mais de dois anos resultasse na educação de um milhão e meio de analfabetos, estando incluído nesse rol enorme quantidade de índios.

Foi vereador em nossa Câmara Municipal de 1919 a 1922, isso lembrado por João Chiarini quando integrava a edilidade piracicabana nos primeiros anos da década de 50.

Seu primeiro projeto, lembra Nélio Ferraz de Arruda, em conferência proferida no Rotary Club de Piracicaba, publicada em 30 de setembro de 1979 nas colunas da “Tribuna Piracicabana”, causou risos entre seus pares. Ante tal manifestação o mesmo foi retirado. Propunha a criação de um parque infantil. Seria o primeiro do Brasil, registrou o conferencista.

Antonio Osvaldo Ferraz, quando era goleiro do Esporte Clube XV de Novembro, na década de 20, conseguiu levar Thales de Andrade para o seu clube. Dias após, era ele eleito presidente da gloriosa agremiação, prestando-lhe excelentes serviços.

Em 1967 João Chiarini teve a idéia de promover uma condigna homenagem ao mestre Thales, de vez que Piracicaba comemoraria nesse ano o bicentenário de sua fundação. A idéia foi encampada pelo Delegado de Ensino local, prof. Benedito Paes Silvado, instituindo nos Grupos Escolares do Município a “A Semana Thales de Andrade”. O fato alcançou grande repercussão, ganhando aplausos de toda a população piracicabana e paulista. A imprensa local acolheu e publicou uma quantidade enorme de artigos sobre Thales, assinados por jornalistas, educadores e escritores, o mesmo ocorrendo na grande imprensa paulistana.

Sobre o fato Herculano Pires, em artigo publicado no “Diário da Noite”, edição de 26-8-67, escreveu: “Piracicaba realizou a I Semana Thales de Andrade, com solenidades nos vinte e oito Grupos Escolares da cidade, com uma exposição sobre a vida e a obra do escritor, distribuição de medalhas-prêmios com o seu nome e inauguração de uma herma, com bronze e pedestal, no jardim do Grupo EscolarMoraes Barros”, da Praça Tibiriçá. Tudo isso aos olhos do homenageado, um reconhecimento público, em vida. E é o primeiro escritor  vivo a ter na sua terra, entre nós, a emoção de ver a sua vida e a sua obra estudadas pela juventude e pelos adultos. Piracicaba nos dá uma lição de grandeza moral, de elevação do espírito. Quem, como Thales de Andrade, contribuiu tão poderosamente e permanentemente para a formação de gerações sucessivas, através das dezenas de edições de seu livro Saudade e do exercício do magistério, devia ser coroado de louros em praça pública, o que só faziam os gregos da velha Hélade. Pois os piracicabanos o fizeram agora.”

Muitos trechos e personagens de Saudade foram dramatizados. O Mestre João Chiarini, quando adjunto do Grupo Escolar Rural “Alberto Torres”, da Capital, para prestar homenagem a Thales, fez do Saudade e seus personagens tema para, em linguagem pitoresca, escrever uma peça infantil, em dois atos, e o trabalho ao ser apresentado alcançou muito sucesso no bairro do Butantã. O texto dessa peça, impressa em forma de livreto, faz parte do acervo da Academia Piracicabana de Letras. Cacilda de Azevedo e Dulce Coelho dramatizaram o “Casamento do Nhô Lau”, um dos principais personagens do livro mencionado.

Isso é um pouco do muito que Thales legou à posteridade como homem, professor e educador emérito; é uma ínfima parcela das homenagens que recebeu em vida na sua terra natal.

Não foi só de Piracicaba que ele recebeu louvor e homenagem. Honrarias também lhe foram prestadas no Senado da República, por iniciativa do Senador Auro Soares de Moura Andrade; na Assembléia Legislativa, por indicação do Deputado Domingos José Aldrovandi; bem como na Câmara Municipal de São Paulo, onde recebeu, em 17 de dezembro de 1964, o título de “Cidadão Paulistano”, que lhe foi outorgado em atendimento à Resolução nº 24/62, de autoria do vereador Francisco Cimino. Na edilidade piracicabana também foi homenageado quando da comemoração do bicentenário da fundação da cidade, em 1967, e, posteriormente, por iniciativa do vereador Waldyr Martins Ferreira, em 1974.

Em 13 de outubro de 1965 recebeu consagradora homenagem da Academia Paulista de Letras, ocasião em que recebeu a medalha cultural “Vital Brasil”, sendo saudado por outro piracicabano, Alceu Maynard de Araújo.

Em agosto de 1967, em sessão solene realizada na União Brasileira de Escritores (UBE), recebeu a Cruz do Mérito da Educação, outorgada pelo Ministério da Educação.

Seria exaustivo, desnecessário até porque conhecidos, continuar enumerando fatos da vida do ilustre escritor conterrâneo.

Dizer se faz preciso, isso sim, alguma coisa sobre alguns de seus livros.

O primeiro não foi Saudade. Antes publicou A Filha da Floresta, em 1919, editado pelo “Jornal de Piracicaba”. Curiosa história, centrada em singeleza e humorismo, cujo fim colimado pelo autor foi estimular nas crianças o amor pela vida campestre, pelas árvores, pelas fontes, pelas florestas e, em síntese, pela natureza em seu conjunto. Por esse motivo, João Chiarini, o maior estudioso das obras de Thales de Andrade, não hesitou em considerá-lo o primeiro ecólogo brasileiro.

Nuto Sant’Anna, em artigo publicado no “Correio Paulistano”, em 12-6-1919, teceu as seguintes considerações sobre esse livro: “... vê-se a palavra do mestre, na boca de outro personagem, a exortar, a conjurar a petizada a compreender os benefícios que nos prestam as matas. E a história, afinal, é bem contada: é mais ou menos possível; o que possui de sobrenatural tem por cenário o sonho de um adolescente. Nela há fadas, palácios, sapos colossais e até anões barbudos e terríveis - mas tudo isso foi inteligentemente coordenado, havendo o professor tirado de tais elementos grande partido. Com ela pregou muito conselho interessante e útil e pode ter a certeza de que as suas lições não foram espalhadas ao vento: o que o livro contém de fantástico atrairá sem dúvida os leitores, porque o mistério, as coisas estranhas e vagas, são ainda hoje o maior encanto da alma humana. De resto, o opúsculo merece apreço - é leve, espirituoso, recreia e instrui, vale pela moral, e, o que é também muito, está escrito em bom português.”

Esse pequeno livro ensejou o levantamento de dúvidas na Academia Paulista de Letras por ocasião de outra homenagem que a entidade prestou a Thales em sessão do dia 13 de outubro de 1977. Seria ele ou Monteiro Lobato o iniciador da literatura infantil no Brasil. Em reunião realizada, após a homenagem, na primeira quinzena de mês seguinte, novembro, o acadêmico Francisco Marins apresentou uma edição de A Filha da Floresta, editada pelo “Jornal de Piracicaba”, em 1919, ficando, assim, comprovado que o livro de Thales de Andrade antecedeu de três anos a publicação de   Narizinho Arrebitado, que é de 1921. O fato provocou novas homenagens ao autor de A Filha da Floresta.

Francisco Marins relembrou ainda que essa primeira produção de Thales foi reeditada em 1921 pela Companhia Melhoramentos de São Paulo, abrindo caminho para uma série de histórias que o autor veio a escrever sob o título de “Encanto e Verdade”.

Não quero trazer aqui minha opinião sobre Saudade, prefiro expor-lhes a de Sud Mennucci, para quem “Thales fez de seu livro um encantador romance, contando a pequena história de uma criança, nascida na fazenda, levada, ao depois, à cidade e, em seguida, por motivos naturais de inadaptação, reintegrada no seu            “habitat” de origem. Dentro dessa moldura fervilha um mundo real, um mundo perceptível à imaginação e ao intelecto infantil e descrito com um relevo, graça, um vigor como rarissimamente se encontram em obras de tal gênero.

Do ponto de vista literário ninguém teve ainda essa linguagem, essa facilidade em que não há desleixo, essa fluidez em que não há saltos, essa espontaneidade narrativa, tão cheia de sóbria elegância, com que ele reveste os seus períodos, arrumados em frases balanceadas, de vários ritmos, mas seguro e firme que prende e encanta.

No desenho dos personagens tem a firmeza dos psicólogos de nascença; escarvoa-os em linhas fortes e impressionantes, pinta-os com largueza e anima-os de um sopro vigoroso de vida que os torna tão humanos como os que encontramos, diariamente, aí pelas esquinas.

Do ponto de vista moral, diz, os elogios nunca seriam bastante.

Considera, mais que todos esses requisitos, o valor impagável do livro de haver reabilitado a gente da roça.

Léo Vaz, expressando-se sobre esse livro, disse: “O autor tem a intuição exata da psicologia infantil; sabe ser criança entre crianças, aliando a um assunto próprio uma linguagem sóbria e expressiva”. Sampaio Dória acrescentou: “Bem haja o seu autor pela caridade de ter escrito um livro útil às crianças.”

Já escrevi em Linguagem Viva, jornal literário que edito de parceria com a poetisa Rosani Abou Adal, e agora repito aqui que Antônio Cândido, Professor de Literatura da Universidade de São Paulo e um dos melhores críticos literários do Brasil, ao falar em 1985, na biblioteca “Mário de Andrade”, em São Paulo, a convite da UBE - União Brasileira de Escritores, sobre os livros que mais influenciaram na sua formação intelectual citou Saudade, e sobre a obra e seu autor - Thales de Andrade - proferiu palavras carinhosas, recordando quanto de prazer, na sua adolescência, a leitura desse livro lhe proporcionou. Estive presente a esse depoimento do grande crítico literário.

Losso Netto, em artigo publicado no “Jornal de Piracicaba”, em 15-9-73, registrou  que até aquela data Saudade atingira sua 90ª edição, com muito mais de um milhão de exemplares, o que num país de analfabetos, num país que não lê, escreveu: “Assume a legendária posição de um livro ao qual tem sido insistentemente comparado ao Cuore, de D’Amicis, pela poesia que ressume, pela pureza que destila, pela inspiração quase divina de sua mensagem”.

Por tudo isso Saudade foi, por longos anos, talvez meio século, o livro mais adotado para leituras nas escolas do Brasil.

Sob o título Rus Relinquendus fuit a Academia Piracicabana de Letras possui uma página de Saudade traduzida em latim, cuja autoria é atribuída ao escritor Guilherme Vitti. Ignoramos se o livro foi inteiramente traduzido. A intenção é apenas registrar o fato.

Thales escreveu oito livros destinados à leitura escolar, o último, Campo e Cidade, aborda a interdependência das atividades dos campos e das cidades. É continuação do Saudade.

Autor de série “Encanto e Verdade”, composta por vinte e seis livros, mais contos e novelas para adolescentes.

Ao todo escreveu quarenta e sete livros, perfazendo, no total, uma tiragem de dois milhões de exemplares.

Para escrever suas obras, muito bem observou João Chiarini, Thales não buscou a mitologia greco-romana  nem as  carochinhas do mundo. O seu universo foi inequivocamente o nacional popular brasileiro, com uma antecipação no espaço e no tempo de pelo menos meio século.

Ao encerrar levanto os olhos para o alto e peço: Perdoe-me Thales de Andrade por, hoje, eu que fui seu aluno, falar tão pouco sobre  sua vida e sua obra. Isso ocorre em conseqüência da morte de João Chiarini - o maior Banco de Informações sobre o educador responsável, o mestre carinhoso e grande escritor que você foi. Era ele, o seu bom amigo, quem hoje deveria estar falando nesta sessão da Academia Piracicabana de Letras.

 

O Centenário e a Obra de Thales de Andrade, palestra proferida na Academia Piracicabana de Letras, dia 20.08.90, na sede social do Centro Cultural e Recreativo “Cristóvão Colombo”; publicada em “Presença”, Suplemento Cultural, nº 14, ano II, editado pelo Jornal de Piracicaba de 15 de setembro de 1990,  para comemorar o centenário de nascimento  de Thales Castanho de Andrade; publicada também em “A Tribuna Piracicabana”, edição nº 4343, de 19 de setembro de 1990.

 

CINQÜENTENÁRIO DE  “DONANA SOFREDORA”

 

 

O mês de outubro do ano passado, 1991, marcou o cinqüentenário de publicação do livro Donana Sofredora, contos, de autoria do escritor piracicabano Mário Neme, que, em 1941, já era nome conhecido nos meios culturais através dos seus ensaios de história e sociologia publicados na “Revista do Arquivo Municipal” e n’ “O Estado de S. Paulo”, onde era redator.

Na ocasião, renomados escritores e críticos literários manifestaram-se sobre o livro. Algumas das opiniões coletadas são transcritas a seguir. Elas justificam uma reedição da obra por uma das nossas editoras ou pela Prefeitura de Piracicaba, tal como aconteceu em 1974 com a História da Fundação de Piracicaba, do mesmo autor.

“O volume reúne dez contos, todos eles dentro da mesma concepção, mantendo um homogêneo poder expressivo, que vem colocar o autor entre os melhores contistas vivos do país” (Edmundo Rossi, in “O Estado de S. Paulo”, 22-10-41).

Donana Sofredora, de Mário Neme, “vem até certo ponto reabilitar a ficção paulista destes últimos anos”. (Ernâni Bruno, in “Jornal da Manhã”, 20-10-41).

“Confesso encontrar nesta dezena de pequenas histórias, não só um excelente contador de casos e um observador muito arguto do humilde quotidiano que é a vida de todos nós, como também um satírico dos mais sagazes e irreverentes” (Edgar Cavalheiro, in “Gazeta Magazine” 2-11-41).

“Mário Neme se apresenta no cenário das nossas letras com um livro de contos, Donana Sofredora, que lhe dará desde logo posição das mais invejáveis entre os contistas contemporâneos” (Mário Donato, in “O Estado de S. Paulo”).

“Mário Neme merece figurar entre os nossos melhores escritores de contos” (Paulo Fleming, in Supl. da “Gazeta de Notícias”, Rio, 16-11-41).

Mário Neme é um contista nato, dos melhores de sua geração(Sérgio Milliet, in Rev. “Planalto”, 15-11-41).

“Vejo-o, sim, na primeira linha dos nossos contistas”. (Ciro Mendes, in Revista “Planalto”, 15-11-41).

“Quem escreveu Donana Sofredora está em condições de nos dar os contos que a moderna literatura brasileira merece” (Flávio de Campos, in “Diretrizes”, 1941).

“O escritor, tal como se apresenta, tem credenciais para se tornar um dos nossos mais significativos ficcionistas - isso além de solidificar o seu lugar entre os bons contistas brasileiros” (Mário da Silva Brito, in “O Estado de S. Paulo”, 12-11-41).

“Há lógica, verossimilhança nos seus contos, ainda estruturados por técnica processual que um estilo de vivacidade ornamenta” (Carlos Bulamarque Kope, in “O Estado de S. Paulo”, 21-12-41).

“Em Donana Sofredora cada conto é um perfeito retalho da vida, retalho de uma absoluta fidelidade e de uma perfeita mão de obra; porque, seja dito, Mário Neme põe na realização do seu intento uma notável perfeição dos meios técnicos. Mário Neme escreve bem, muitíssimo bem”. (Antônio Cândido, in Rev. “Clima”, nº 7, dez. de 1941).

“Livro de contos dos melhores que têm aparecido entre nós, Donana Sofredora é a afirmação de um grande talento” (Nuto Santana, in “Correio Paulistano”, 8-10-42).

O segundo livro de contos de Mário Neme, A Mulher que Sabe Latim..., também foi um sucesso, um grande sucesso.