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As Sutilezas Múltiplas deste Contraponto

 

Caio Porfírio Carneiro

 

Regina Helena Bastianini entrega ao público Contraponto, um degrau a mais na sua ascendência poética (Franca, SP, 2006). A apresentação, assinada por Eny Mendonça de Miranda, analisa muito bem as criações da autora, praticamente de texto a texto. É estudo cuidadoso e bem elaborado.

Numa visão de conjunto, para uma poesia desta natureza, surgem sempre observações outras, que se somem ou não, ao que expôs brilhantemente Eny Mendonça de Miranda. Porque, na verdade, em criações como estas de Regina Helena, há sutilezas tão fugidias que se pode falar delas uma hora ou simplesmente ficar calado. Obra para ser lida, sentida e... pronto.

A leveza romântica dos seus poemas é tão pessoal que o suporte estrutural deles e o seu emotivo conteúdo dão a idéia falsa, mas presente, de que compõem um veio só, sem parcéis, meio sonho, meio verdades doídas, espelho e contra-espelho deste mundo velho sem jeito. Embora se preocupe com as palavras – ai delas, que são tantas; e ai dos poetas, que as vasculham – deixa a autora que elas fluam belamente ao correr dos versos. Que arma perigosa está posta à disposição dos poetas...Euclides da Cunha dá-nos uma prova da força de uma única palavra. Nenhum idioma estrangeiro conseguiu vertê-la corretamente. Trata-se da frase - “O sertanejo é antes de tudo um forte”, de Os Sertões. O vocábulo único forte insere em si implicações históricas, sociológicas, econômicas, ecológicas e humanas, que só os brasileiros apercebemos bem disto. O que dizer da busca das palavras na poesia, onde os ventos e vendavais metafóricos flamejam em direção ao infinito?

Tudo aqui é a um tempo contido e fugidio. Não a fuga para a fugacidade. Uma fuga um tanto corpórea, palpável, vívida e tangível, que vagueia e alcança a alma de tudo, que domina a autora e que a cerca. É a perquirição sensível para alcançar essa alma, que virá a ser a verdade primeira de tudo: o intimamente sentido, o vivido e... o resto. Pois se até o junquilho de Augusto dos Anjos tinha alma... Regina mostra-se às vezes descritiva (sempre a aparência), particularmente no início dos poemas, abertura do visor para a quase prece (prece?) que se segue ao correr do corpo do poema. Faz um extraordinário voleio musical com as palavras, solfejos em surdina, que lembra o velho e bom simbolismo, transmudando as aliterações numa seqüência de achados sedutores, tal como vem bem exposto na apresentação da obra.

Os poemas de Regina Helena se constroem em sons líquidos. Assim afirma Sônia Machiavelli Corrêa Neves, na contra-capa, analisando aspectos da sua obra. Foi em cima da mosca. Há muita presença da água e do elemento líquido em geral neste livro. Isto já vem de longe. É do seu como dizer artístico.

Eis uma poesia essencialmente humana, que vem dos refolhos da alma (lembram-se de refolhos?) em sinais sensíveis, em busca do infinito. É a aceitação de tudo e o seu contraponto: a quase repulsão de tudo. É dadivosa e cautelosa. É um entregar-se pleno e o integrar-se ao todo social, e o não aceitá-lo tal como está posto. É a eterna interrogação sem aflições. É a busca da eternidade e a perplexidade diante da perecível. Não é uma poesia de luz e sombra. É um tanto mágica pulsante, diante das precariedades da vida. Há dor, e nunca a alegria que dança muito e repousa tão pouco. Há solidão? Claro, que todo bom poeta é ele e seus fantasmas. Há tristeza? Claro, perante os contrastes da vida. É poesia de muitas, muitas mesmo, inquietações mudas, que voejam mais que as palavras, esse treco do qual nos valemos, sem remissão. E é – é, sim – uma poesia para além do que tenha de filosófica, de traços melancólicos. Não a melancolia casimiriana, evidente, a outra, a vívida, quase o inverso dela, por não conseguir, inconscientemente – e ninguém consegue -, o pináculo poético totalizante. Talvez nem os deuses consigam...

Por tudo isto, e o mais que se diga dela, Regina Helena é poeta perto do coração e sedutoramente mágica, pelos voleios nos achados, nas metáforas, até na objetividade que lampeja da herança parnasiana, num somatório belíssimo de nuanças ao correr dos versos.

Para se fazer poesia desta qualidade, do formal ao conteúdo, dos temas variados ao como dizer deles, necessário apenas ser Poeta de verdade.

Tudo o mais é acessório.

Caio Porfírio Carneiro é escritor, crítico literário e secretário administrativo da União Brasileira de Escritores.