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O REENCONTRO

 

Ely Vieitez Lisboa

 

 

O gênero poético é mais exigente que a prosa. Para se fazer um bom poema, há que se ter cuidado com o ritmo, as possíveis rimas (usar preferencialmente as ricas ou raras, jamais as pobres), conhecer bem a conotação, usar uma linguagem figurada menos comum e mais bela. As Escolas Literárias diferem na sua Profissão de Fé, mas têm algo essencialmente em comum: todo texto poético deve ter um enfoque original, criativo, muita sensibilidade, correção de linguagem, ritmo e leveza.

Muito já se tentou definir poesia. O que encanta no texto poético? Lirismo, cosmovisão aguda e sábia, versos densos, plenos de beleza. No famoso poema de Drummond, “Procura da Poesia”, as palavras perguntam ao candidato a poeta: “Trouxeste a chave?”. Questionamento terrível. Quer entrar no reino das palavras? Elas exigem muito: que o provável poeta conheça bem a semântica, a complexidade dos termos, os mistérios de suas mil faces aparentemente neutras.

É erro comum achar fácil fazer poemas. Qualquer idéia com certa beleza e sempre sem originalidade é colocada em forma de versos e pensa-se que se fez um poema. Na realidade, usar bem o gênero da poesia é tarefa difícil.

Todo esse intróito meio prolixo é para divulgar, com emoção, um reencontro. Eu já conhecia Eunice Arruda, sabia que era poeta, mas não tivera oportunidade de analisar, sem pressa, alguns poemas seus. No seu site, atualmente, há belos poemas, de um teor literário excelente. Ao tomar conhecimento de seu currículo, entende-se: a poeta é mestra no ofício, reconhecida, muito premiada. Uma leitura cuidadosa dessa seleção exposta pode comprovar a razão dos lauréis e exemplificar o que é, realmente, um bom poema.

Vinicius de Morais, em poema famoso, expõe a hipótese poética: morrer de amor. Eunice Arruda é mais rica: morrerá de sol. Veja-se a rica conotação. E a poeta sofre com sua partida, porque “há poemas/escorregando de meus dedos/e um vinho não provado”.

No poema “Um Visitante”, ela diz:

 

Quem escreve

é

um visitante

 

Ora, todo poeta experimenta esta “gaucherie”, a estranheza ao ver sua obra concretizada. Sente-se como se um outro, seu duplo, a tivesse realizado.

Desprende-se de alguns poemas uma forte religiosidade e em “Transformação” há uma bela imagem, espécie de  hipálage:

 

Também me empresta

de tuas asas

o vôo

 

Ao lado de temas realistas, descrevendo as mulheres modernas, E. A. aprofunda-se em temáticas metafísicas, como a efemeridade da vida. Escrever é para poeta deixar sua marca, sua pegada de sensibilidade. Ela enriquece o tema com uma bela alusão bíblica. Ah, querida poeta, todos os seres humanos não edificam suas casas sobre a areia? É a condição humana. Somos passagem, efemeridade. Nascemos para morrer.

E os belos poemas surgem, onde se enfatiza a rica conotação da antítese noites e aurora (“Predição”), cujos versos finais são um cântico ao dinamismo e à auto-realização humana. No poema “Propósito”, há versos pretensamente simples, mas de uma filosofia profunda nas antíteses:

Viver pouco mas

Viver muito

(...)

Nunca morrer

enquanto viver

É característica forte de Eunice a poesia sucinta, sintética, com um aprofundamento vertical, sem rebarbas. Um exemplo de grande beleza é o poema “Sentença”, presentista, que exalta a filosofia de Horácio, o Carpe Diem.

A alma de Eunice Arruda como a de todos os grandes poetas não cabe dentro do corpo. Impossível engaiolar tanta sensibilidade e perspicácia. Como tem armas raras e conhece o mistério das palavras, escapa pelas frinchas mais estreitas, concretiza-se em figuras de linguagem, ritmo e beleza. Eunice Arruda é puro lirismo da melhor qualidade.

Ely Vieitez Lisboa: Escritora, pertence à ARL e à UBE. É autora do romance epistolar “Cartas a Cassandra”.